dos desatinos

a minha
é emoção desgovernada
que atropela a razão
em plena madrugada de criação.

o meu
é poema desastrado
que ganha as ruas,
se acovarda diante de ti
e não diz nada.

Ademir Antonio Bacca

Súplica

tenho dois olhos
[mudos]
que se recusam
a ver o óbvio

uma boca
[cega]
que se nega
a dizer adeus

um coração
que pensa
uma cabeça
que pulsa

e estas mãos
[descalças]
ajoelhadas
a teus pés

Valéria Tarelho

Ótica

De tão clara
A luz se fez Poesia
E as trevas
Intervalo dos meus olhos
Desenharam o Poema
Para que a vida
Tivesse filhos
E em mim
Os versos que gritam
Não fossem órfãos.

Eliane Alcântara

Pecado

Primeiro
ele se achegou
com uma flor na mão

depois
mexeu na casa
cortou meus cabelos
fez nossa comida

e então
tomou meu ventre
e cometemos o pecado
de amar
sem amor

Edinara Leão

Contemplativo

Maduro o fruto cheira
alto e longe
feito grito no vento

Uma cortina de folhas
mostra esconde
sua forma sua cor

E a gente nem desconfia
até o imperceptível
é sugestão de sabor

Wilson Guanais

Desterro

Quero
o teu verso
à mingua,
teus fragmentos
de infinitos,
a dilacerante
melancolia
de tuas marés
em tácito
silêncio.
Quero
a navalha
do teu desejo,
na minha carne viva,
em brasa ardendo.
Óbvio
ou absurdo,
náufrago de mim,
eu te quero
inteiro.
Pois,
onde faltas,
eu transbordo
e onde deserto,
tu me habitas.

Míriam Monteiro

A casa das palmeiras

A casa das palmeiras paira
sobre os teus olhos:
tem a essência do mesmo amor.
Como as tardes daquela vida,
como os crepúsculos daquela história.
O lugar onde cresce a tua imaginação
tem o sentido da vida.
A minha vida vem do teu sangue.
Dele cresço para o universo
e do universo regresso com estrelas.

Juan Pomponio

Ecos do silêncio

solos de guitarra flamenca
morrem no ar
sementes regadas a rum
germinam no solo

do lado de cá do espelho
a bela adormecida
embebeda-se de sonhos
e dedilha alucinadamente
o fio da navalha

Euza Noronha